Na década de 70, Porto Seguro se firmou como um destino turístico e, com isso, os turistas passaram a ter contato com os indígenas Pataxó. Atualmente, a Reserva da Jaqueira é o principal passeio oferecido para quem deseja conhecer os costumes e tradições dos Pataxó.
E foi exatamente isso que Clara, Manoela e Marly Mayrink fizeram. Planejaram uma viagem para Porto Seguro e incluíram a Reserva da Jaqueira no roteiro. Elas só não sabiam que esse passeio seria tão marcante ao ponto de relutarem para ir embora da reserva.
Conversei com a Clara e a Marly sobre essa experiência. Por fazer parte do turismo étnico, que considero muito relevante, decidi contar essa história no blog. Boa leitura!
História dos indígenas Pataxó
Os Pataxó se apresentam como os indígenas que tiveram o primeiro contato com os colonizadores em 1500, mas Victor Mauro, especialista em Turismo e Desenvolvimento Sustentável, lembra que, na verdade, os Tupiniquim foram os primeiros a receber a esquadra de Cabral.
Desde o século XVII, os indígenas Pataxó sofreram perseguições dos colonizadores e tiveram a sua população bem reduzida.
No início da década de 70, a prefeitura de Santa Cruz de Cabrália e empresários da região demarcaram informalmente terras na Coroa Vermelha para os indígenas. Isso aconteceu porque, conforme o turismo crescia, eles acreditavam que era importante existirem indígenas no local em que os portugueses pisaram no Brasil pela primeira vez.
No entanto, o mercado imobiliário começou a avançar na região, instaurando conflitos até que ocorreu a demarcação formal de terras pela FUNAI no final da década de 90.
Desde que a Coroa Vermelha se tornou um ponto turístico, a população indígena aumentou nessa área. Em 1998, aproximadamente 30 Pataxós da Coroa Vermelha ocuparam uma área que foi chamada de “Reserva da Jaqueira”.
Inclusive, foram as irmãs Nitynawã, Jandaya e Nayara que encabeçaram esse movimento e decidiram abrir a aldeia em 2000 para promover o turismo, as práticas indígenas e a conservação ambiental.
Ao longo dos séculos, os Pataxó se miscigenaram, aderiram aos costumes regionais e, aos poucos, os hábitos culturais indígenas foram se perdendo. Antigamente, eles eram nômades, mas foram obrigados a ficar em aldeias. Além disso, a língua Pataxó original parou de ser praticada.
Por outro lado, durante as últimas décadas, houve um movimento de resgaste aos costumes originários e os Pataxó passaram a reconstruir as tradições, adotando nomes indígenas, recriando uma língua Pataxó (Patxohã) e fazendo pinturas corporais padronizadas.
Vivências na Reserva da Jaqueira
Marly costuma viajar por excursão, mas, se puder escolher, prefere a companhia das filhas, Clara e Manoela, para as viagens. Em março de 2014, todas estavam livres e toparam conhecer Porto Seguro.
Manoela foi quem planejou todos os passeios, como Recife de Fora, Centro Histórico de Porto Seguro e Reserva da Jaqueira. Antes mesmo de viajar, as atrações já tinham sido pagas para a agência responsável.
Ao chegarem a Porto Seguro, combinaram a data para conhecer os Pataxó por meio do passeio “Vivências na Reserva da Jaqueira”. A duração total é de 7h.
Elas foram recebidas no Portal da Aldeia e um guia indígena é quem orienta todo o passeio, passando pelas rodas de conversa, pinturas corporais, rituais e demonstrações dos tipos de armadilhas.
Ainda há uma palestra dada pela educadora e cacique da tribo, Nitynawã Pataxó, contando a história do lugar. Ou seja, a Reserva da Jaqueira não apenas foi fundada por mulheres como, até hoje, é liderada por uma!
Marly contou que, apesar de ser facilmente perceptível que os Pataxó sofreram adaptações culturais, eles ainda tentam manter os próprios costumes. Outra observação que ela fez foi em relação à função de cada um, pois, durante o passeio, pôde perceber que cada Pataxó era encarregado de um trabalho.
Clara ainda relembra que, durante o passeio, as meninas e mulheres ficavam mais afastadas e eram os homens que tinham mais contato com os turistas.
Ao longo do dia, elas viram animais nativos, conheceram as ocas, aprenderam arco e flecha, experimentaram o peixe na patioba, observaram como eram feitos os trabalhos manuais, conheceram a arapuca (tipo de armadilha voltada para a caça) e também puderam ver a escola bilíngue (os alunos aprendem português e Patxohã).
Na Bahia, existem aproximadamente 22 comunidades Pataxó e todas têm, pelo menos, uma escola.
Durante a pintura corporal, elas descobriram que existe uma diferença entre a pintura da mulher solteira e a da mulher casada. Enquanto a primeira é bem elaborada, a segunda é mais simples. Inclusive, os Pataxó se surpreenderam quando souberam que a Manoela, com 23 anos, estava solteira. Nessa idade, segundo os costumes deles, já era para ela estar casada.
Clara também explicou como funciona o flerte entre os Pataxó: o menino joga uma pedrinha para a menina e, se ela jogar de volta, isso significa que está interessada.
Impressões da Reserva da Jaqueira
Quando o passeio estava chegando ao fim, elas não queriam ir embora. Inclusive se arrependeram de não fazer o passeio completo, em que os turistas pernoitam na Reserva da Jaqueira.
Marly ficou impressionada com o acolhimento dos indígenas Pataxó. Sem romantizá-los, ela se encantou por eles e sentiu que tudo acontece de forma bem natural, ainda que existam as performances, como os rituais.
O que chamou a atenção de Clara foi a possibilidade da troca. Ela pôde conhecer os costumes e a história dos Pataxó, além de falar sobre si mesma, já que eles também estavam interessados na sua vida.
Ao longo do passeio, elas souberam que o guia principal estava no ensino médio e apenas saía da aldeia para estudar. Ele também contou que apenas a mãe é indígena, então ele é fruto da miscigenação.
São esses detalhes que diferenciam uma experiência imersiva por meio do turismo étnico e uma experiência superficial no estilo de zoológico. Nesse último caso, os turistas veem o outro como exótico, chegando a animalizá-lo, e não existe a troca, apenas o espetáculo.
E não foi isso que aconteceu quando as Mayrink visitaram a Reserva da Jaqueira. Além de se permitirem conhecê-los, os Pataxó também puderam conhecê-las. Ao final do passeio, enquanto elas falaram que era muito difícil sair dali, o guia também dizia para elas não irem embora.
Dessa forma, visitar a Reserva da Jaqueira foi uma experiência marcante para essa família, que até então não tinha vivido nada parecido. Isso mostra como o turismo étnico pode beneficiar ambos os lados.
Afinal, os Pataxó resgataram tradições culturais e têm no turismo uma importante fonte de renda, ao mesmo tempo em que se preocupam com a conservação ambiental no processo de geração dos recursos financeiros. Esses indígenas resistem, mesmo sob ameaças e incêndios criminosos, brigando para ocupar aquele espaço e permanecerem vivos.
Aprender sobre os Pataxó e a Reserva da Jaqueira permitiu que as Mayrink conhecessem outra realidade, bem diferente da delas, e valorizassem ainda mais a existência e a cultura indígena que é tão rica e necessária para o nosso país.
Essa é uma forma bem positiva de praticar o turismo. Já o lado negativo fica por conta do turismo de massa. Entenda melhor o que é overtourism!
Muito obrigada por “nos traduzir” (e aos pataxós também!) tão bem. Abraços!
Obrigada você por ter dividido essa história comigo ♥
Que post maravilhoso!!! Muito honrada de ter essa história maravilhosa contada aqui. Obrigada!!! <3