Com 107.603,292 km² de extensão, Oriximiná, no Pará, é o quarto maior município do país. Essa cidade, que fica no oeste do estado, é marcada por comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Inclusive, o maior quilombo do Brasil, a comunidade Cachoeira Porteira, está em Oriximiná.
Foi nessa cidade que Bianca Albuquerque teve a oportunidade de passar um mês inteiro estagiando na maternidade de Oriximiná, por causa de um programa de extensão da faculdade, e teve a sua vida transformada.
Diferenças culturais, desafios no dia a dia do estágio e contato com a Floresta Amazônica foram apenas algumas das experiências que ela viveu durante esse período. Por considerar essa história tão revelante, decidi contá-la no blog.
Ansiedade pré-embarque
Bianca entrou na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2011, no curso de Enfermagem. Logo na primeira semana, descobriu que a faculdade tinha um programa de extensão que levava os alunos até Oriximiná por um mês.
Ela, que nunca imaginou ser possível conhecer a Floresta Amazônica, logo ficou animada e passou o curso inteiro esperando por esse momento.
Esse programa da UFF permite que os alunos do curso de Enfermagem, além de outros cursos na área da saúde, passem um mês estagiando em Oriximiná. A viagem acontece apenas no final da faculdade e, no caso da Enfermagem, no 8º período.
Assim que Bianca começou o penúltimo período do curso, no segundo semestre de 2014, logo foi se informar na secretaria sobre como poderia participar do programa. No total, três grupos viajam a cada mês (outubro, novembro e dezembro) e ela foi em novembro com outras três colegas da Enfermagem.
Geralmente, as alunas vão com o avião da FAB (Força Aérea Brasileira), mas, naquele período, não existiam vagas para elas, então precisaram fazer outro trajeto e, assim, começou a jornada para Oriximiná.
Longo trajeto até Oriximiná
Para chegar a Oriximiná, Bianca e as amigas precisavam encarar um trajeto que duraria um dia inteiro. Primeiro, pegaram um avião do Rio de Janeiro até Manaus. Em seguida, de Manaus até Santarém, no Pará.
A balsa em Santarém saía apenas duas vezes no dia, uma de manhã e outra de tarde. Quando chegaram, a primeira já tinha saído, então, todas decidiram conhecer Alter do Chão, também conhecido como o Caribe Amazônico.
Na verdade, isso já estava planejado. Elas deixaram as malas na balsa que sairia de tarde, pegaram um ônibus e chegaram a Alter do Chão. Conheceram o rio bem claro, a areia fina e sentiram como se estivessem em uma praia. Almoçaram por lá mesmo e depois voltaram para o centro.
No final da tarde, a balsa saiu de Santarém. No local, havia várias redes para que as pessoas pudessem dormir e Bianca achou isso curioso, porque nunca tinha visto algo do tipo, mas logo entendeu o porquê disso: a viagem duraria até a manhã do dia seguinte, então era necessário dormir de algum jeito.
Era uma bela noite de lua cheia, que iluminava a água, e a balsa passava por vários rios. O que deixou Bianca aflita foi não conseguir ver a borda deles. É como se estivesse em um barco no mar aberto, onde não é possível ver nada ao redor. Plantas, construções, nada. Apenas os rios e a balsa.
Bianca conseguiu dormir um pouco e a balsa chegou em Oriximiná apenas na manhã do dia seguinte.
Primeiros dias na cidade
Assim que chegou a Oriximiná, Bianca foi para o alojamento da UFF, que fica em frente ao Hospital Maternidade São Domingos Sávio, onde ela começaria a estagiar. O local era bem equipado, com salas de computadores, refeitórios e quartos com ar condicionado.
Além disso, o alojamento oferecia quatro refeições no dia, então os alunos não precisavam gastar dinheiro com nada.
O próximo passo foi entender como funcionaria o estágio. Ela, ao lado das colegas, conheceu o hospital e foi orientada por duas enfermeiras supervisoras ao longo de todo o programa. Bianca e as colegas foram divididas em quatro setores:
- acompanhamento pré-natal;
- admissão da grávida quando ela entra em trabalho de parto;
- parto;
- pós-parto.
A cada dia, as alunas ficavam em setores diferentes e, assim, começaram a se adaptar ao estágio.
Estágio na maternidade de Oriximiná e seus desafios
O estágio era de segunda a sexta, das 8h às 17h, nesse hospital-maternidade. O local era pequeno, ainda que seja a única maternidade de toda a cidade. Ainda assim, Bianca tinha todos os equipamentos necessários para realizar as tarefas, por isso, não tinha problemas quanto aos recursos do hospital.
Diferença cultural
Diariamente, ela recebia pacientes de Oriximiná e regiões próximas, atendendo indígenas que, inclusive, não falavam português. Nesse caso, a grávida levava uma pessoa para traduzir o que era falado.
Segundo ela, a maioria da população é indígena ou descendente de indígena, então, quando chegou à cidade, recebeu olhares curiosos e chamou a atenção da população, que podia perceber que ela não era dali.
Inclusive, quando participou de palestras em escolas municipais para orientar as crianças em relação às ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), elas pediram para tirar foto com a Bianca por ser uma pessoa fisicamente diferente.
Dilema no hospital
No dia a dia do estágio na maternidade, Bianca passava pelos quatro setores que citei anteriormente, mas, além da barreira do idioma, ela também lidou com outro desafio.
Bianca percebeu que o parto feito nas mulheres não era humanizado, ou seja, era bem diferente do que aprendeu na faculdade. Então, notou que o acompanhamento das grávidas não era feito da maneira que ela acreditava ser a ideal.
Choque de realidade no interior
Bianca também teve um choque de realidade ao visitar o interior de Oriximiná. Em um final de semana, o hospital lançou uma campanha de vacinação contra a poliomielite e, assim, ela embarcou em uma viagem para o interior da cidade, porque a população dessa região não ia para o hospital.
Durante o trajeto, ela passou por áreas bem carentes, mas conheceu casas do projeto “Minha Casa, Minha Vida” que tinham tetos solares e isso chamou a sua atenção.
Ao chegar no local, precisou dar as vacinas em uma igreja que estava “caindo aos pedaços”. Ao contrário do centro da cidade, aquela região não apresentava uma infraestrutura adequada. Então, percebeu que aquela realidade era bem diferente da que as pessoas no centro de Oriximiná viviam.
Tempos de lazer
Além de estagiar, Bianca também tinha tempo para conhecer a cidade e os pontos turísticos de Oriximiná. Alguns dias depois do expediente, ela ia com as amigas para a praça, tomava sorvete, comia pizza. Além disso, também fazia zumba na praça.
Aos finais de semana, como não havia ônibus, Bianca e as colegas contratavam uma pessoa para levá-las a outros lugares. Conheceram a Cachoeira Jatuarana, que é um dos principais pontos turísticos da cidade e fica próxima da área urbana.
Elas também tiveram o primeiro contato com os igarapés (cursos d’água de pouca profundidade que nascem na mata e deságuam no rio), como o Caipuru.
Experimentaram comidas típicas, como a maniçoba, foram para festas que tocavam forró – Bianca não sabia dançar, mas dançava mesmo assim.
Enfim, Oriximiná permitiu que Bianca saísse da zona de conforto para experimentar um modo de vida diferente do que ela conhecia até aquele momento.
Aprendizados em Oriximiná
Ao longo de um mês, Bianca viveu experiências que nunca pensou em passar. Conheceu a Floresta Amazônica, “floresta crua de verdade, frequentada pelos moradores”, que era um sonho dela. Teve o primeiro contato com indígenas e, logo de início, conheceu indígenas de aldeias que não falavam português.
Com essa vivência, ela pôde colocar em prática o que aprendeu na faculdade, que é a necessidade de ouvir os pacientes e se conectar com eles. Por trás de cada um, existe uma história de vida, e é dever do profissional oferecer a eles uma assistência de qualidade. No entanto, nem sempre é isso que os profissionais se dispõem a fornecer.
Caso do menino Hiuri
Bianca relembrou da história de um parto que a colega dela presenciou. Assim que o médico fez o parto, ele deixou a criança cair. Além disso, ela nasceu muito mal, quase morta. Depois, perceberam que o bebê, inclusive, teve uma fratura no quadril.
Em seguida, Bianca acompanhou o pós-parto dessa mãe com o bebê. A mulher praticamente não falava português e estava em dúvida sobre o nome que daria ao menino. Ela deu duas opções de nome e uma delas era Hiuri, que é o nome do marido da Bianca. Então, a estudante, brincando, falou: “bota esse nome, é bonito!”
Apesar do início de vida sofrido, Hiuri sobreviveu e Bianca pôde acompanhar a sua evolução, o que a marcou profundamente.
Por isso, ela bate nesta tecla: o profissional precisa estar verdadeiramente disposto a ouvir o paciente e se aproximar dele, para que assim seja possível construir uma relação de confiança.
A experiência de Bianca em Oriximiná mudou completamente a sua vida. Até hoje ela pensa em voltar e ver como as pessoas e a cidade estão. Espero que existam muito mais profissionais como ela, que não apenas se transformam com essas vivências como também transformam a vida dos seus pacientes.
Se você gostou de conhecer esta história, veja também o artigo sobre o turismo étnico!
Fico muito feliz em poder compartilhar essa experiência tão gratificante! Temos que aproveitar as oportunidades que passam pela nossa vida. Sou muito grata à UFF por ter possibilitado aprender tanto!
Obrigada por ter dividido essa história maravilhosa comigo ♥
Que texto incrível e que experiência maravilhosa! Muito bacana mesmo o relato da Bianca e a forma como foi escrita me fez sentir como se estivesse lá em Oriximiná com ela também. Cada detalhezinho da história é muito legal, desde as redes na balsa, até o vínculo afetivo com o menino Hiuri. Fiquei com ainda mais vontade de conhecer a Floresta Amazônica. Obrigada às duas por dividirem isso com a gente, real me fez muito bem. 🙂
Ah, que comentário lindo ♥ Fico feliz que tenha gostado!
Fiquei surpresa em saber que Oriximiná continua recebendo esses maravilhosos projetos. Eles já existiam desde os anos 70/80. Que maravilha!
Não sabia que esse programa existia há tanto tempo!